segunda-feira, 23 de junho de 2008

Câmara Municipal de Florianópolis proíbe pesquisas com animais

A Câmara Municipal de Florianópolis (SC) aprovou um projeto de lei que proíbe o uso de animais na pesquisa científica, baseado na proposta sobre o mesmo assunto feita no Rio de Janeiro e vetada pelo prefeito César Maia. O projeto, que ainda vai ser apreciado pelo prefeito catarinense Dário Berger (PSDB), revoltou os cientistas.

A proposta, de autoria do vereador Deglaber Goulart (PMDB), proíbe integralmente o uso de qualquer animal em estudos na cidade, que abriga alguns dos mais importantes centros de pesquisas do país, como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “O que eu quero com isso? Chamar a atenção para que haja entendimento entre a ciência e a natureza, entre a humanidade e a natureza”, afirmou Goulart.

O vereador afirma que sua lei se aplica a todos os animais que ele chama “de porte”, como cachorros, macacos e ratos. Questionado sobre se os cientistas da cidade poderiam continuar fazendo pesquisas com animais como moscas-de-fruta e vermes, ele disse que “acredita que sim”. “Não falo nada especificamente sobre moscas, estou falando de animais grandes”, afirmou.

Para o vereador, é possível dispensar o uso de animais em pesquisas. “Estamos no século XXI, já fomos e voltamos da Lua umas dez vezes. Isso é coisa da Idade Média”, afirma

Para o presidente da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), Luiz Eugênio Mello, a lei de Goulart é que é ultrapassada. “Isso não tem paralelo em nenhum país civilizado do mundo. Até a lei inglesa, que é de 1876, é mais moderna”, afirmou ele. “Só uma vez na história da humanidade a pesquisa com animais foi proibida. Logo antes da Segunda Guerra, na Alemanha nazista. Porque lá eles usavam seres humanos. É isso que estão propondo?”, questiona o cientista.

Mello afirma que nenhum pesquisador sente “prazer” em fazer testes em animais, mas que as alternativas são piores. “Se não pudermos testar os remédios em animais, vamos ter que testar em gente. E remédio não surge pronto. Eles têm uma série de efeitos colaterais e podem matar”, explica. E, segundo ele, mesmo se os testes fossem feitos em seres humanos, dificilmente os problemas éticos acabariam. “Vamos imaginar por um instante que fosse proibido fazer pesquisas em animais e tivéssemos que testar em pessoas. Você acha que eles seriam feitos em pessoas ricas? Ou seriam pessoas pobres de terceiro mundo? Esse é um mundo melhor?”, diz o biólogo.

Luiz Eugênio Mello diz entender a preocupação dos que defendem a proposta, mas acredita que há uma visão errônea dos cientistas nesse caso. “Os ativistas dos direitos dos animais relatam os cientistas como sádicos, como monstros. Ninguém entra na ciência para ser famoso, ficar rico. Não é uma área que dá dinheiro. Quem faz ciência é porque quer ajudar a humanidade e dificilmente esse traço de personalidade convive com uma vontade sádica de torturar animais”, diz ele.

O cientista lembra os avanços médicos que foram possíveis graças à pesquisa com animais em Santa Catarina. “Um dos antiinflamatórios mais vendidos no Brasil foi testado, em animais, na UFSC. Se esse projeto for aprovado será uma perda enorme para o país”, afirma.

Mello e outros cientistas enviaram uma carta ao prefeito de Florianópolis pedindo o veto ao projeto de lei. Eles temem a perda de pesquisas importantes. O vereador Goulart, por sua vez, diz que não tem intenção alguma de prejudicar a ciência. “Não quero tirar o espaço de nenhum cientista”, diz ele. E que está disposto a um acordo. “Talvez o prefeito possa dar um veto parcial, vamos ver o que pode acontecer. O importante é existir o debate”, defende.

Goulart afirma que quer que os cientistas encontrem outras maneiras de testar remédios e fazer ciência. Mello, no entanto, diz que alternativas melhores, que não envolvam testes diretamente em humanos, não existem. “Ninguém gosta de jogar dinheiro fora. Principalmente empresários. Se houvesse uma maneira melhor, todas as companhias farmacêuticas do mundo estariam usando. Que companhia não gostaria de dizer ‘eu não uso animais’? Isso seria uma excelente forma de atrair consumidores. Mas não existe”, diz ele. “Talvez daqui a 200 anos nós vamos ter um robô, um computador, uma técnica que substitua os animais. Mas hoje não temos. E não podemos parar as pesquisas enquanto esperamos”.

Lei federal

Deglaber Goulart afirmou que outros vereadores de outras cidades de Santa Catarina se interessaram pela sua proposta e que ele irá apresentá-la para que a idéia se espalhe pelo estado.

Para os cientistas, é aí que mora o perigo. É por isso que eles pedem, em um abaixo assinado entregue ao presidente da Câmara dos Deputados Arlindo Chinaglia, pressa na aprovação do projeto de lei federal que tramita há 12 anos no Congresso.

“Enquanto não tivermos uma lei federal, vamos ter que ficar apagando incêndio de cidade em cidade. Primeiro foi o Rio de Janeiro, agora Florianópolis. Precisamos de uma regulamentação para todo o país”, diz Mello.

Nenhum comentário: