segunda-feira, 23 de junho de 2008

UNIVERSITÁRIO LUTA CONTRA DISSECAÇÃO DE ANIMAIS EM AULA

Róber Bachinski é um estudante do curso de Biologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que tem enfrentado uma batalha jurídica para prosseguir nos estudos. Por motivos éticos, o jovem de 21 anos se recusa a participar das aulas em que necessita dissecar animais, prática fundamental para a área do conhecimento em que deseja se formar. Ele chegou a receber da Justiça, em caráter liminar, o direito de não participar desses procedimentos. Entretanto, a universidade entrou com recurso e conseguiu cassar a liminar, obrigando o aluno a assistir às aulas. O fato reacende a polêmica sobre o uso de cobaias na ciência.

Em sua ação, o estudante alegou que, pela Constituição, tem o direito da “objeção de consciência”, que garante a ele a prerrogativa de manter-se fiel à suas crenças e convicções, sem sofrer prejuízo por isso. O argumento foi acolhido em junho passado pela Vara Federal Ambiental de Porto Alegre, que concedeu liminar permitindo que ele fosse dispensado dos procedimentos com animais.

Entretanto, a alegação foi derrubada pela instância superior, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, mediante recurso da UFRGS. De acordo com o TRF, as disciplinas que utilizam os animais têm o objetivo de capacitar os alunos para sua profissão e não é correto que a universidade mude seu currículo de acordo com a consciência dos alunos. Diante disso, a liminar foi derrubada.

De acordo com o estudante, o problema não é a dissecação em si, mas sim o fato de os animais serem mortos para as aulas. Ele defende que sejam utilizados métodos alternativos, como a utilização de bichos já mortos em clínicas de veterinária ou outros institutos da universidade, como a faculdade de Veterinária. Em geral, os animais mais utilizados nesses experimentos são ratos, camundongos, rãs e até mesmo coelhos.

Bachinski quer também que, em aulas expositivas, nas quais apenas o professor manipula o animal, sejam utilizados vídeos com os procedimentos, para que um bicho não precise morrer a cada demonstração. “O problema é que não tenho como saber como aquele animal foi conseguido para a aula. Eles têm direitos intrínsecos como alimento e liberdade. Mesmo que tenham sido criados para as aulas, eles têm direitos”, prega o estudante.

Bachinski afirma que, antes de entrar para o curso de biologia, não sabia da obrigação de dissecar os animais nas aulas. No segundo semestre do ano passado, ele foi reprovado em uma matéria em razão de suas posições. “Não me passou pela cabeça que os professores seriam tão rígidos em manter essa prática”, afirma. Durante o período de vigência da liminar, o professor da matéria permitiu que ele fizesse trabalhos alternativos - o jovem respondeu um questionário teórico sobre a matéria que deveria ter sido aprendida na prática. O problema dele, agora, é conseguir que os docentes das matérias que ele ainda precisa cursar concedam o mesmo direito.


“Não se trata de judiar dos animais, mas sim de utilizá-los como fonte de conhecimento, como é feito em todo o mundo. Não é sacrificar por sacrificar”, defende o vice-diretor do Instituto de Biociências da UFRGS, João Ito Bergonci, reiterando que os animais utilizados nas aulas são criados especificamente para este fim. “Acho difícil que alguém se forme em Biologia sem passar por isso (fazer dissecação). Talvez ele tenha que procurar um outro curso”, sugere.

Entretanto, grande parte dos professores acha possível substituir o uso de animais por outros métodos em sala de aula, com a adoção de softwares que simulem as situações de dissecação, por exemplo. Esse sistema já está presente em diversas universidades, entre elas a Universidade de São Paulo (USP). Quando se trata de pesquisas mais aprofundadas, em que os animais servem de teste para substâncias a serem utilizadas por humanos, a situação é mais complicada, tornando as cobaias ainda indispensáveis no processo.

“As pessoas não percebem, mas os benefícios da experimentação animal estão presentes em seu dia-a-dia. Praticamente tudo que ingerimos ou que entra em contato com o nosso corpo tem que passar por teste animal”, afirma Marcel Frajblat, presidente Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (Cobea), entidade que estuda a produção de animais para uso em laboratório. De acordo com Frajblat, desde a pasta de dente até o detergente, passando pela chupeta para bebês, tudo ainda precisa ser testado em cobaias. Para o pesquisador, essa prática é uma necessidade e os cientistas deixarão de utilizá-la assim que for encontrada uma alternativa eficiente.


Os cientistas ressaltam que as cobaias têm de ser utilizadas com “respeito”. De acordo com o pesquisador Wothan Tavares de Lima, coordenador da Comissão de Ética e Experimentação Animal do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, isso significa fornecer ao animal um espaço mínimo para o seu desenvolvimento, em um ambiente apropriado, o mais próximo possível do seu habitat natural. Além disso, no momento do sacrifício, deve-se ministrar doses de analgésicos, para minimizar o desconforto do bicho, entre outras práticas adequadas.

Apesar dessas especificações, esse conceito de respeito ainda é vago no Brasil em razão da falta de regulamentação. O projeto de lei que visa preencher esta lacuna está em tramitação na Câmara dos Deputados há 12 anos, sem ter entrado em votação. O que existem são leis estaduais - no Estado de São Paulo uma norma sobre o assunto está em vigor desde 2005. “A comunidade científica acha importante que haja uma lei específica para o País e a sociedade precisa saber disso. É preciso esclarecer as pessoas sobre o nosso trabalho”, afirma Lima.

Apesar da recente decisão desfavorável da Justiça, Bachinski diz que não vai desistir de sua cruzada contra o uso de animais durante as aulas. “Não penso na possibilidade de abrir animais. Já consegui passar em duas matérias sem fazer isso”, diz. Agora, o estudante está produzindo uma pesquisa para encontrar métodos que substituam esses procedimentos. Ele afirma que está lutando para quebrar um dogma e que isso é, sempre, muito difícil. “Hoje há o paradigma de que os animais são necessários e, quando alguém se propõe a mudar isso, os cientistas se sentem ameaçados. As pessoas vão ter que mudar. Os animais não são meios para nossos fins”, anima-se.

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